No dia 8 de maio foi realizada uma audiência pública para um novo debate acerca da realização da prova Stock Car nas ruas do entorno do Mineirão, na Pampulha. O objetivo foi ampliar o debate sobre a questão e ouvir os representantes do poder público municipal, do organizador do empreendimento e membros do corpo docente e dirigentes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nenhum representante da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) ou órgãos convidados, tampouco os organizadores do Stock Car compareceram à audiência.
Por parte das instituições civis foram convidados membros do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado (CRMV/MG); Projeto Manuelzão; Centro de Comunicação da UFMG e Pró-reitoria de Administração da UFMG, Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais (CRMV-MG), Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS/BRASIL) e Ecologia e Observação de Aves (Ecoavis).
Em todo o debate, esteve em curso os impactos que o evento vai trazer para cerca de 60 mil pessoas entre alunos, professores, funcionários da UFMG e do hospital veterinário. Em relatos comoventes e detalhados, os participantes da audiência foram enfáticos e unânimes em suas falas, quanto a não serem contra a realização da prova em Belo Horizonte, mas à inadequação do local escolhido para realização da prova automobilística.
Todos se ressentem da falta de diálogo com a UFMG – eleita como a melhor universidade pública do Brasil pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), pelo terceiro ano consecutivo, e centro de referências de pesquisas reconhecido internacionalmente – sequer foi consultada e ouvida para a decisão de realizar uma prova tão impactante, praticamente no seu “quintal”.
A Stock Car já começou na UFMG: obras já estão causando impactos
Para a professora Fábia Pereira Lima, diretora do Centro de Comunicação da UFMG, uma pista de corrida no Mineirão é historicamente inviável e fora de propósito, afirmação atestada por documentos que a instituição vem postando em seu site – em uma aba de “Destaques” intitulada “Stock Car na UFMG não” https://www.ufmg.br/stockcarnaufmgnao/
Em um destes documentos, é comprovado que o terreno do Mineirão foi cedido pela UFMG ao governo do Estado, em 1972. “É uma pista que está sendo construída dentro da UFMG. Deveríamos ter sido os primeiros atores a serem consultados, pois somos uma cidade dentro de Belo Horizonte”, esclarece. Outros eventos que acontecem na região também são fora de propósito, mas, em acordo com os administradores do Mineirão, os eventos com alto impacto de ruído são realizadas na esplanada Sul para causar menos prejuízos para as atividades de ensino e pesquisa da universidade.
Ela citou também que cerca de 600 atletas, atendidos semanalmente no Centro de Treinamento Esportivo (CTE), sendo 100 deles atletas paralímpicos, ficarão prejudicados. A previsão é de que eles ficarão 19 dias sem atividades, tempo que não pode ser recuperado e que causa “impacto crucial para o treino dos atletas”. O local é um centro de excelência que treina atletas de alto rendimento para olímpiadas e que abrigou a equipe da Inglaterra nas Olimpíadas de 2024 no Brasil.
Outros impactos chegam à Faculdade de Odontologia, com mais de 250 atendimento simultâneos, inclusive pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Alcançam também a Estação Ecológica (EEco), área de preservação da cidade com espécies vegetais e animais, a Escola de Veterinária e o Biotério Central, centro de pesquisas para soluções de doenças e criação de vacinas como a Covid-19, entre outros da área de ciências da Saúde, além do Centro de Atividades Didáticas, com 2 mil estudantes atendidos em atividade didática por dia. Além disso, segundo ela, os efeitos no trânsito, como os desvios, já começaram a interferir na circulação.
Efeito econômico da UFMG para Belo Horizonte
Como centro de ensino, com 45 mil estudantes, a UFMG possui importância econômica no município de Belo Horizonte, muitas vezes não contabilizada. O pró-reitor de Planejamento, Maurício Freire, apresentou o que significa economicamente a UFMG para a cidade. Somando a universidade, o Hospital das Clínicas, algumas fundações de apoio, o montante de execução orçamentária foi da ordem de R$3,9 milhões em 2023. A instituição representa 4% do PIB da capital mineira e 25,4% da arrecadação do município. “A UFMG é uma força econômica como poucas dentro do município”, declarou o pró-reitor.
Sotck Car pode causar danos irreparáveis aos animais da UFMG
De acordo com a professora Miriam Tereza Paz Lopes, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciência Biológicas da UFMG, os danos que podem acometer os animais de experimentação científica (como ratos e camundongos) são incalculáveis, pois os ruídos acima do limite que os bichinhos conseguem suportar podem causar alteração na fisiologia e no metabolismo deles, gerando estresse extremos que levam a comportamentos bizarros, como canibalismo com os filhotes, e outras reações e manifestações ainda não previstas. Outros males como hipertensão, tumores, abortos em fêmeas e até mortes em massa são possibilidades reais. “A ordem de grandeza dos danos é incalculável e não sabemos o alcance”, denuncia a professora.
A vice-diretora da Escola de Veterinária, Eliane Gonçalves de Melo, lembrou que o hospital voltou ao seu funcionamento integral de 24 horas, depois da pandemia de Covid-19, somente recentemente, no último mês de março. A entidade, que atende a 100 animais pequenos por dia – e cerca de 3 mil por mês – já terá que ser fechado novamente por conta do Stock Car. “Qual tutor vai levar seu animal para ser internado num inferno?”, indignou-se.
Indignação e desolamento afetam corpo docente, funcionários e alunos
Segundo Eliane, por falta de local para alocar equinos, caprinos, bovinos, animais silvestres, muitos deles poderão passar por eutanásia, a depender do tipo de estresse que irão sofrer, que pode causar traumas irreversível. Ainda é considerada a possibilidade de prejuízo financeiro, pois há vários projetos de pesquisa patrocinados. “Temos compromissos e responsabilidades técnicas que não conseguiremos cumprir”, lamentou Eliane. Ela ainda lembra que, mesmo fechado, as despesas com equipe e manutenção permanecem. “Estou desolada”, confessa.
A aflição é compartilhada com a médica veterinária, professora e diretora do hospital, Maria Christina Malm. Ela relata a aflição emocional pela qual passam os pesquisados, professores, alunos, por terem sido ignorados e não consultados para a realização da prova. Ainda assim, estão trabalhando para proteger a escola. “A vida não se mensura. Estamos falando de ética, moral e desrespeito à vida”, desabafa. De acordo com a representante da Pro-Civitas, Associação dos Moradores dos Bairros São Luís e São José, Kelyane Paganini, o empreendimento trouxe uma total inversão de valores entre interesses privados e públicos e que causa é justa, embora a instituição esteja carente de representação.
Não há diferença entre hospital de humanos e animais
“Imagine um autódromo em frente ao Hospital das Clínicas?”, pergunta o diretor da Escola de Veterinária, Afonso de Liguori Oliveira. Segundo ele, com o conceito de saúde única, um hospital veterinário se equivale a um hospital para humanos em todos os seus ambientes e ações. Ele lembra que a Stock Car vai interromper todos os trabalhos do Hospital Veterinário e, pior, não será algo efêmero, mas que se repetirá por cinco anos seguidos. “Equipamentos de alta precisão, sensíveis a qualquer movimento – e muito caros -, já estão sofrendo com a trepidação e poeira das obras”, reforçou.
O representante do Conselho Regional de Medicina Veterinária, Messias Lobo, ressaltou que há outros espaços com menor impacto ambiental e até como menor custo para a realização da Stock Car em Belo Horizonte. “Tudo o que foi apresentado indica que a perda será muito grande, inclusive diante da sociedade, que não foi perguntada se estava ou não de acordo com a realização da prova na Pampulha”, disse.
A interferência é tão grande que até mesmo os peixes – que muitos imaginam que não escutam – conseguem identificar o som a quilômetros de distância, segundo informou Gilcinéia Santana, professora da área de aquacultura da universidade. “Animais são reagentes biológicos, temos que garantir que estarão em perfeito estado de saúde. Se não estiverem bem, podem afetar as pesquisas”.
Kátia Lopes, do Instituto Sammyaram e do movimento coletivo “Stock Car no Mineirão não” Baseou a sua fala sobre o lado dos animais. Disse que eles são explorados o tempo todo. Vivem para salvar as vidas humanas e agora estão em risco. “Quem será responsável por eles? O poder público? O que estão de fato fazendo de ações para salvar os animais? Fato é que eles são sempre explorados pelos seres humanos”, relata a ativista. “A causa animal está muito fraca de representantes”, completa. Ela também agradece ao vereador Sérgio Fernando, que foi um dos primeiros parlamentar a se manifestar em plenário contra a Stock Car na Pampulha.
Prefeitura e organizadores da Stock Car não compareceram à audiência pública
Uma extensa lista de representantes da sociedade e do poder público municipal foi convidada, entre os quais as secretarias municipais de Governo, Educação, Obras e Infraestrutura e Meio Ambiente e Política Urbana. Foram chamados o promotor de Justiça Marcelo Azevedo Maffra, a superintendente Estadual do IPHAN MG, Daniela Lorena Fagundes de Castro, assim como representantes das secretarias municipais de Governo; Educação, Meio Ambiente, Política Urbana, Obras e Infraestrutura e BHTrans.
A discussão na Câmara foi realizada pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, a pedido do vereador Sérgio Fernando Pinho Tavares (MDB), no plenário Camil Caram. A etapa do evento na capital mineira está prevista para ocorrer em agosto, entre os dias 15 e 18, com expectativa de público em torno de 80 mil pessoas.